Este documentário foi exibido recentemente na semana de atividades do PPGE - UFSC , com a presença da Profª Dra. Marisa Vorraber Costa para discutir a relação 'cultura e pedagogia' e o papel do pesquisador.
Frank Gehry é um arquiteto contemporâneo, que escolheu o amigo Pollack, que não entendia nada de arquitetura e documentário, para contar um pouco sobre a vida e trabalho desse artista fantástico que não entendia nada de cinema.
De forma clássica, Pollack consegue reunir em imagens, depoimentos, entrevistas, montagem e uma divertida trilha sonora, um pouco da vida de Gehry e seu processo (fantástico) de criação.
Museu Guggenheim Bilbao, em Bilbao, Espanha
A importância de Gehry para esse período de reflexão sobre a pós-modernidade, está na relação das suas obras arquitetônicas com as tecnologias atuais, numa espécie de simbiose beleza&tecnologia, onde elas só poderiam existir através do computador e seus cálculos precisos. Gehry confronta as regras e 'verdades absolutas' da arquitetura com suas criações exóticas, caóticas, orgânicas, narrativas, que desafiam as leis da física.
A partir do documentário, podemos perceber que Gehry sempre teve uma relação próxima com a arte já na infância, onde sua avó sentava com ele e passavam tardes criando cidades e construções com simples blocos de madeira. Foi essa experiência marcante que influenciou sua escolha profissional. De alguma maneira, quando jovem, ao pensar sobre o que queria fazer da vida, ele se lembrava dos blocos de madeira e das tardes com a avó.
Ele também gostava de desenhar com seu pai e um desses desenhos foi elogiado pelo professor e valorizado pela mãe, que acreditavam que um dia ele seria um grande 'arquiteto'. Dito e feito!
E antes de fazer arquitetura, Gehry fez um curso de cerâmica e já nessa experiência se divertia com as formas imprevisíveis que suas criações em argila ganhavam ao sairem do forno. "Uau! Que beleza! Eu fiz isso?!"
Gehry sempre teve uma relação de medo e fascínio por suas obras. São como filhos, que nascem para o mundo e tem vida própria. Aqui lembrei de Barthes e seu texto "A morte do autor", pois nossas criações deixam de ser nossa ao serem compartilhadas com o 'mundo'. Ganham vida e oferecem múltiplas possibilidades de relações e conexões.
Marisa relacionou este medo e fascínio com as pesquisas que fazemos na pós-graduação. Diz que nós 'inventamos e criamos' os problemas que tratamos em nossos trabalhos, eles não existem e apenas os pescamos, mas são criados por nós. Talvez seria melhor dizer que os identificamos num mundo posto, onde estabelecemos relações e conexões. Marisa diz que pesquisa requer paixão, fascínio pelo processo. Somos apaixonados por ela, ou não conseguimos seguir adiante. "Sem tesão, não há solução".
Somos pesquisadores-artistas, como Gehry, que trabalha com paixão, teme a rejeição, mas segue em frente, diante de críticas, desafios e problemas.
Assim como Gehry, nós pesquisadores também nos sentimos confusos, perdidos, com medo de não saber o que fazer e por onde começar. O arquiteto diz que isso é apavorante, mas que criar é assumir riscos.
Em certo momento do documentário observamos Gehry e sua equipe criarem uma nova obra. E para ele há o momento de escuta, de silêncio, de observar e buscar em palavras suas inquietações. "Não sei ainda do que não gosto, mas não gosto."
Em relação a sua profissão, Gehry acredita que se uma pessoa tem uma ideia, porque não experimentar? Ele vive o momento, aproveita as ideias dos outros, relaciona qualquer coisa (moda, pintura, escultura, objeto, desejo, história) e isso o inspira a criar algo novo. Ele diz que é quase mágico e isso me fez pensar sobre o 'punctum' de Barthes. O importante exercício de refletir sobre o que nos toca em relação ao outro, seja pessoa, objeto, artefato, som, filme, etc.Gehry diz que 'todo lugar pode servir de inspiração'.
Gehry fala muito sobre a diferença de ser jovem, cheio de sonhos e anseios, e da experiência de envelhecer e perceber que o que fazemos não se reflete no agora e que o trabalho em equipe é de extrema importância. Ele diz que a perfeição não existe ou não pode ser alcançada. Com o tempo, a frustração diminui e relaxar diante da imperfeição, fica mais fácil.
Em sua arquitetura, Gehry procura respeitar o outro e talvez por isso crie coisas tão caóticas. Suas distorções possibilitam que um prédio velho não seja ofuscado, que a vista do mar não seja exclusiva, que as regras possam ser quebradas e as pessoas possam interagir com suas criações, conectarem-se com elas.
Em certo momento do filme compreendemos, assim como diz Tom Wolfe (A palavra pintada), que diante da beleza e inovação de suas obras, teóricos se apressaram em conceituá-las e classificá-las para que pudessem ter o estatuto de arte.
Já outros críticos questionam as criações de Gehry, enquanto espetáculo e marca. Seriam arte mesmo?!
Gehry é um artista do seu tempo, que imprime em suas obras, incluindo as novas tecnologias, o contexto em que vive. Aqui é importante pensar que a tecnologia não cria, mas projeta, permite, possibilita superar. Esta deve ser a postura da educação diante dessa Era das novas tecnologias. Aproveitá-la como uma ponte, como ferramenta fundamental da expressão e criatividade humanas!
Para ele, a satisfação não está no resultado, mas no processo, na possibilidade do esboço. Do fim como um novo começo.
Marisa diz que em relação à pesquisa, quando terminamos um trabalho é o melhor momento de publicarmos artigos, revisitá-lo. É o momento de maior inspiração.
Ela também acrescenta que todo risco exige coragem, determinação, disposição, pois não é fácil saltar fora da ordem, duvidar, dobrar e subverter as regras. Gehry e nós, assumimos os riscos, mas não sem medos!
Num diálogo de Gehry e Pollack, podemos refletir sobre a relação comercial e artística de confronto dos artefatos e criações humanas, ou ainda, da relação do trabalho com a necessidade financeira e necessidade da expressão da arte, onde os dois reconhecem ser possível encontrar pequenos espaços, seja na arquitetura ou no cinema, seja na Academia, de dizer algo novo, citando algo velho, de mostrar que há outras coisas além das que já se conhece.
Para que nossas crianças possam produzir arte, buscando articular realização profissional e criatividade, é preciso resgatar as vivências familiares, tão esvaziadas pelas mídias, segundo Marisa. Ao invés de 'medicar', canalizar sua energia excessiva para a criação, onde as novas tecnologias (tv, computador, internet), artefatos do nosso tempo, possam servir de ferramenta e potência de superação.