Participei na última terça-feira, da mesa redonda 'Educação e Mídia: Um espaço de conexões não lineares' na III Semana da Educação em São José e trouxe para o blog, as falas das Profª Dra. Maria Luísa Belloni e Maria Helena Bonilla, em suas respectivas apresentações.
São José deu um excelente exemplo de como organizar um evento, pois ao chegar recebi pastinha e crachá com controle digital, havia também lanche de produtos orgânicos, com biscoitos, café e frutas, além dos banheiros do Espaço Multiuso serem totalmente limpos e o local das palestras ser grande e bem distribuído, com cadeiras, dois telões grandes, e na abertura, ainda pudemos apreciar apresentações culturais das crianças. Muito legal mesmo!!!
Vamos às palestras:
Tecnologias Digitais na Educação: desafios e possibilidades
Drª Maria Helena Silveira Bonilla
DESAFIOS
Bonilla fez uma apresentação com slides e partiu de tópicos para aprofundar algumas questões.
Considerando um público de professores, com formações diversificadas, achei que ela foi bem objetiva e clara nas suas explanações! Adorei!!
Diferenciou a tecnologia analógica e digital com palavras-chaves numa VIRADA CONCEITUAL e falou sobre uma transformação na velocidade, fragmentação, aceleração, turbulências de informações e conhecimento.
Diante dessas transformações a sensação é de desamparo, de incertezas, de estar perdido, de não dar conta.
A pergunta é: Como dar conta?!!
Redes e conexões
É importante ressaltar que com as mudanças tecnológicas, a articulação de conteúdo não é mais vertical, e sim, HORIZONTAL. Não se depende mais de grandes mídias para produção. As possibilidades foram ampliadas, permitindo novas potencialidades, que há 20 anos atrás não existiam.
Bonilla fala da convergência de mídias, onde informação e conhecimento convergem em um único aparelho, que detém múltiplas funções e onde ocorre um fluxo intenso de conteúdos, como áudio, imagens, vídeos, textos, etc, além da própria hibridização. E tudo isso só foi possível com a tecnologia digital, não-linear, pois na analógica era impossível, por ser naturalmente linear.
A escola precisa pensar como se inserir nesse novo ambiente e nova realidade, afinal ela é responsável pela transmissão e produção de informação.
É importante mudar o conceito que se faz do uso do computador, como um lugar sem função, onde não se faz nada, pois hoje o estudante ‘estuda’ mais e na verdade, faz tudo ao mesmo tempo.
Outro fator determinante é mobilidade (wifi – rede sem cabos), onde a informação está na ‘palma da mão’ com os celulares e tablets, promovendo uma imersão midiática, e produzidos com tamanho cada vez mais reduzidos.
Se antes se falava em salas com computadores, agora a mobilidade permite outras possibilidades. Uma prova disto é a compra de tablets (ipad) pelo Ministério da Educação.
Bonilla então pergunta: Como vamos trabalhar a educação? Enquanto estivermos aprisionados em formas de ensino defasada?
Ela coloca o exemplo de escolas na Bahia que em abriram as caixas de computadores que receberam, por não saberem lidar com o equipamento.
A formação dos professores não acompanha e não acompanhou o contexto tecnológico atual.
As escolas ao invés de aprender e pensar com as novas tecnologias, estão ‘tirando’ e ‘proibindo’ novas tecnologias em sala de aula,como os celulares, redes sociais, o que seria a saída mais fácil, diante do desconhecimento e despreparo em lidar com esta nova situação, mas essa atitude não prepara o aluno para a sociedade atual. Tirar o cotidiano do aluno de sala de aula (mídias), não o prepara para a realidade.
A escola perdeu o controle sobre o aluno e o desafio é justamente esse: Aprender a lidar com a autonomia de produção do aluno.
Como potencializar suas habilidades? Como fazer?
É preciso mexer nos currículos e mexer com a linearidade do ensino. E fazer isso, causa estranhamento, insegurança, incerteza e desconforto. A reação é de negação e resistência.
Se antes na geração web 1.0, se considerava a pesquisa na internet como ‘cópia’, é preciso repensar, já que hoje, geração web 2.0 é possível produzir conteúdo, além de só consumir.
Como então trabalhar e fugir da idéia de consumo e cópia?
Fugindo da idéia e concepção de tecnologia como FERRAMENTA.
O computador não deve mais ser considerado uma ferramenta extra, porque é essencial.
É preciso pensar o computador como um AMBIENTE, e sair da idéia de transmissão de informação para PRODUÇÃO.
Apresentar um trabalho no datashow é como apresentar no antigo retroprojetor. Só mudou o meio!
Mas antes que se cobre formação dos professores de Educação Básica, é preciso lembrar que na Universidade essa mudança precisa ser incorporada urgentemente. Repensar os currículos e investir na incorporação das mídias na sala de aula.
BANDA LARGA – Condição necessária para mudança
E para acesso a rede, é preciso ampliar a banda larga no Brasil. Por enquanto ela só atinge 50% da população urbana (nem se fala da área rural) e ainda é baixa. 300 computadores de uma escola conectados com velocidade de 1 Mega não serve pra nada, além dos jovens não terem paciência de esperar por tanto tempo. Sua atenção é frágil, numa era de ritmo acelerado.
Por isso, a banda larga para todos, inclusive aqueles que não tem condições de pagar é condição necessária para transformação na Educação.
POSSIBILIDADES
Diante dos desafios apontados, nem tudo está na capacidade de decisão do cidadão. Muitas mudanças dependem de políticas públicas.
É importante lembrar que o acesso à informação e comunicação é DIREITO HUMANO UNIVERSAL, e se hoje essa comunicação está num contexto de consumidor receptor-emissor, a interação é fundamental para produção descentralizada de conhecimento.
“Incorporar o jeito de ser! Jeito alt+tab” (Nelson Pretto)
As gerações atuais tem a capacidade de realizar multitarefas, mudando de janelas rapidamente, produzindo e consumindo conteúdo e novas linguagens. Ao invés de condená-las, deve-se absorvê-las, como é o caso do “internetês”, que apresenta muita potencialidade de comunicação, por ser uma comunicação através de códigos, natural e necessário num contexto onde o fluxo é intenso.
É preciso entender que este é um novo jeito de ser!! Os jovens de hoje fazem tudo ao mesmo tempo e as gerações passadas ainda funcionam no sistema ‘mono’, que faz uma coisa de cada vez.
A interação exige concentração, então o discurso de que os jovens não se concentram é equivocado.
É preciso também repensar a questão de autoria. Onde hoje existem leitores-autores, cada um constrói conhecimento de forma diferente e constitui seu próprio caminho.
Não somos mais apenas consumidores!!
A escola não pode mais ser apenas de leitura e escrita textual. É preciso incorporar NOVAS E TODAS linguagens, para estimular todas as habilidades (imagética, auditiva, etc), diferentemente desenvolvidas em cada pessoa.
É preciso apropriar-se das tecnologias como cultura contemporânea e não mais como ferramenta!!
Assim como o livro foi no Século 20 uma grande revolução, a Internet e a Tecnologia Digital correspondem na mesma proporção de importância no Século 21.
Outra questão: Como então relacionar educação e cultura?!
Inclusão Digital X Educação – ainda é feito fora do espaço da escola
Fazer não é suficiente para se apropriar. É preciso incorporar.
Políticas públicas não dão conta e muitas escolas só permitem acesso, sem uso pedagógico, ainda na idéia de tecnologia como ferramenta.
Como então integrar e articular o uso cultural, pedagógico, além da inclusão digital?!
Primeiro deve-se perder a ideia de apropriação de informação e aceitar a partilha de conhecimento.
Os ‘softwares livres’ permitem acesso livre ao CONHECIMENTO, com isso é possível remixá-lo, resignificá-lo, portanto é preciso repensar o conceito de PIRATARIA, COPYRIGHT e etc!!
Essa dinâmica da liberdade foge das estruturas fechadas das Grandes Mídias.
É preciso pensar na concepção de atores-autores, e na produção e socialização de conteúdo.
Autores – produtores – prepositores GERAM cultura – conhecimento – cidadania
ESPAÇOS DE PRODUÇÃO COLETIVA
As redes sociais, wikis, blogs, twitter, youtube, etc são ambientes virtuais de aprendizagem a té novos gêneros textuais!!
Nas escolas tradicionais ainda se tem a ideia de que cada um deve construir uma parte. Um não pode mexer na criação do outro. E esse conceito de apropriação precisa ser repensado!! Aceitar que o sujeito não aprende mais sozinho, pode compartilhar e colaborar.
É preciso estimular a criação, imaginação e articular local/global.
É preciso participar e procurar uma auto-organização a partir de cada realidade e criar espaços de reinvidação.
Basta observar os movimentos sociais mundiais, realizados a partir das redes sociais como a ‘Revolta da Catraca” em Floripa e revolução no Egito.
Essa mudança também é uma questão social e política!!
Na Bahia, nos projetos onde Bonilla está inserida há criação de um site para produção e postagem de VÍDEOS:
Ainda em andamento - https://blog.ufba.br/ripe/o-projeto/
Outra alternativa é a WEB-RÁDIO – com um computador e um microfone é possível explorar a expressão oral, produção textual, articulando conhecimento escolar e cultural. E num contexto de pouca banda larga se apresenta como alternativa possível.
A orientação e mudança curricular exige tempo, por isso ainda é um processo de longo prazo.
Contatos: bonilla@ufba.br
Mídia-educação como eixo pedagógico para integração das TIC à escola
Drª Maria Luisa Belloni
A palestra de Belloni complementou a da Bonilla em vários aspectos, e acrescentou em algumas outras coisas.
Ela começou a apresentação, dizendo que a mídia-educação é um campo ainda novo de pesquisa. E comentou sobre a Tecnificação intensa da vida humana e sobre a compressão do tempo e espaço.
Democratizar o conhecimento, socializar novos gêneros e transmitir o saber são as formas de transformação do anima-homem em ser social. Aquele que não convive em sociedade, não se torna ser social.
É preciso desenvolver a cidadania para poder participar da sociedade. Conhecer as vantagens e desvantagens, riscos para escolher e decidir.
A desinformação é organizada pelas mídias de massa e eles interferem na vida social. Um exemplo disso é a
programação da televisão, com baixo nível de reflexão. Porque não se questiona? Porque somos obrigados a assistir e ter acesso a um conteúdo tão pobre?!
Por isso, como fazer das tecnologias instrumentos de cidadania?!
Como fazer das tecnologias instrumentos de expressão e criação?!
O cinema e o imaginário humano contribuíram para uma construção negativa da visão sobre a tecnologia.
É preciso colocar os usuários no centro do processo. A TV e a internet são as mídias mais importantes do processo de socialização.
Existem ainda muitas desigualdades a serem superadas e o reflexo disso é a quantidade de professores que ainda não se apropriaram das tecnologias. O acesso ainda corresponde a classe social. O abismo entre TV e Internet é imenso.
Para haver mudança é preciso articular na educação básica integral, tecnologias, projetos de aprendizagem inovadores, interação de linguagens, ciência, mídia e arte. Para a mídia-educação, os eixos integradores são a mídia e a arte.
É preciso compreender que existem novos meios de aprender:
Autodidaxia: gerações que aprendem de modo autônomo. Não se sabe exatamente porque acontece, mas acontece. A criança mexe sozinha e ensina os adultos.
Colaborativa
Múltiplas informações – processamento paralelo, já iniciado com o videogame.
Com essas novas formas de aprender, as teorias de aprendizagem não dão conta (Piaget, etc), por isso é necessário usar essa base e ir além.
Vivemos numa Era de Inversão de Papéis, crianças sabem mais que os adultos. Mas é preciso que o consumidor tenha consciência e desenvolva o senso crítico.
Novas possibilidades não determinam liberdade!!
Esta seria a dimensão da mídia-educação:
-Leitura crítica de mensagens. (Porque os jovens gostam tanto de vampiros?!)
-Meio de expressão indispensável para o exercício da cidadania, estimulando a participação ativa dos jovens.
-Ferramenta pedagógica – uso em situações de aprendizagem ou integração aos processos educacionais.
Belloni diz que ‘sem ler um livro, não se pode escrever’. (Não?!)
A mídia-educação seria um direito universal da criança, pois não é apenas inclusão digital (mera alfabetização da massa), mas um letramento audiovisual, uma formação crítica e criativa em ‘pixel’. Seria um domínio da leitura e escrita.
Mídia-educação como educação, expressão, informação, opinião e participação em decisões que lhes digam respeito. Formar cidadãos que exijam conteúdo (mercadoria) de qualidade.
‘Dominar as telas para não ser dominado por elas!’
Não só utilizar possibilidades das técnicas, pois por ser interativa cria a ilusão de ‘liberdade’.
Sugestão de Escola-parque – educação integral com as TICs + Arte + Mídia-educação.
Modos de uso criativo, críticos e inteligentes podem fazer das TICs, meio de democratização do acesso ao conhecimento e à cultura, já que as mídias podem ser instrumentos poderosos de opressão.
Belloni fala da formação de professores e que já na Universidade o atraso é evidente: ensinar sem tecnologias!
Para ela, mídia-educação é o único meio de sintonizar cultura da escola com a cultura dos alunos.
PERGUNTAS E RESPOSTAS para BONILLA E BELLONI:
Após as apresentações, algumas perguntas foram colocadas para serem debatidas.
‘A escola não tem controle nem do livro didático, então como cultivar o uso do laptop?!’
Bonilla respondeu que é um problema que só pode ser resolvido com formação de professores.
‘Como envolver e mobilizar o professor para essa mudança?!’
Belloni diz que novas gerações são as que transformam a sociedade.
As velhas gerações devem ter a humildade de reconhecer que podem aprender com as novas gerações.
Não adianta formar o professor externamente, com formação continuada, cursos extras e afins, tudo fora do espaço da escola, é preciso acompanhar esse professor em sala de aula.
E para Belloni, trabalhar arte e mídia é o eixo central de integração com as TICs na educação.
‘Como fazer se ainda não há recursos?!’
Bonilla diz que é possível fazer com o mínimo, cabe ao professor estudar essas possibilidades.
‘Qual o papel da Universidade?!”
Bonilla diz que as políticas públicas são fragmentadas e isso dificulta o trabalho do MEC e das Secretarias. Uns não se comunicam (e nem querem) com os outros.
A própria universidade está atrasada. Existem ainda poucas pesquisas sobre o processo de aprendizagem atual e ainda menos sobre práticas diante deste novo contexto.
Bonilla ainda diz que apenas 20% das universidades públicas foram professores. 80% são formados em universidades privadas, onde não há controle e tanto comprometimento, a formação é defasada.
Belloni complementa que as novas gerações tem mais conhecimento que seus professores, doutores, etc, e por isso vivemos um período de transição, em breve, naturalmente os professores das novas gerações já ingressarão engajados com as novas tecnologias, onde o aprendizado é autônomo.
É preciso vislumbrar o futuro e não se amarrar no passado!