Há 3 anos dou minicursos na Sepex (Semana de Pesquisa e Extensão da UFSC) com conteúdos relacionados ao cinema, com o intuito de socializar um pouco do conhecimento que tenho sobre cinema e afins, utilizando as experiências bem sucedidas como professora da oficina de cinema na disciplina de Artes da Escola da Ilha.
Este ano resolvi experimentar algo totalmente novo, sem ter testado em nenhum outro espaço (nem na Escola), mas com a ideia de estimular a criação de personagens a partir de um projeto bacana "O que você carrega na bolsa?!" que encontrei no site Blog Ideias.
O projeto é do fotógrafo Jason Travis (J Trav) que registrou 80 pessoas voluntárias que aceitaram mostrar o que elas carregam em suas bolsas. A série, chamada Persona, nasceu de uma ideia antiga de Travis, que desde pequeno ficava curioso pra saber o que cada um carregava diariamente.
Considerando que ao compor um personagem para cinema ou teatro (e até literatura), é preciso também pensar em seu figurino, objetos de cena e cenário de atuação, encarregando os responsáveis pela direção de arte de compor o filme ou a peça com tudo que se aproxime o máximo possível da personalidade dos personagens e da história retratada.
Basta observar o filme "Dogville" de Lars von Trier (2003) e a presença de apenas alguns objetos de cena, porém importantíssimos para caracterizar cada personagem no espaço e na história.
Com isto, a ideia era fazer o exercício inverso. Ao invés de criar um personagem novo, porque não tentar descrever alguém que supostamente já existe, estabelecendo relações entre os objetos que carrega na bolsa com o pouco que captamos das imagens de cada um deles?!
Na criação de um personagem existem 3 etapas básicas:
-Descrição de características físicas.
-Descrição de características sociais.
-E descrição de características sociais, que neste exercício proposto, depende muito mais da julgamento do observador e seu repertório pessoal do que a 'verdade' que se poderia captar das imagens. Aqui não existe 'verdade', mas valores e significados que a imaginação pode agregar diante de cada uma das imagens.
Com a participação de 6 pessoas, em grupo analisamos estas duas imagens e 'criamos nossos personagens'.
Em geral, o grupo descreveu este homem como alguém de baixa/média renda, possivelmente um artista, designer ou desenhista. Não possui carro (por opção), é solteiro, mas curte ficadas. É tranquilo, desapegado, estiloso, sedentário e gente boa. Talvez seja até vegetariano. Vive no estilo 'paz e amor'.
Aqui questionei porque ele não seria advogado, por exemplo?! E discutimos que basta conhecer um, para saber que geralmente um advogado presa pela aparência e não usa barba em audiências, espaço onde atua. Então mesmo que fique alguns dias sem fazer, jamais teria uma barba tão grande assim, se trabalhasse como advogado.
Aqui questionei porque ele não seria advogado, por exemplo?! E discutimos que basta conhecer um, para saber que geralmente um advogado presa pela aparência e não usa barba em audiências, espaço onde atua. Então mesmo que fique alguns dias sem fazer, jamais teria uma barba tão grande assim, se trabalhasse como advogado.
Em seguida, o grupo descreveu esta garota como alguém que é bancada pelos pais, vinda de família de classe alta. Possui carro, não trabalha, é universitária e parece cursar música. Usa roupas e objetos de grife, é ligada em moda, é vaidosa e bonita. Talvez tenha namorado e parece estar vestida para um happy hour depois da aula.
Após o exercício de análise coletiva, cada participante recebeu uma fotografia e teve a tarefa de descrever sozinho seu 'personagem'. Mas ao socializar em grupo, todos contribuíram de alguma forma para tornar o personagem de cada um mais completo e verossímel.
Participante Maycon: Este homem é solteiro, bem sucedido profissionalmente, possivelmente executivo de uma grande empresa e muito ligado ao trabalho. Porém guarda algum tipo de segredo, como uma possível homossexualidade. É prático e organizado. Viaja bastante e está sempre na correria do trabalho.
Participante Neusa: Esta mulher é casada, mãe de dois filhos pequenos e trabalha como operadora de telemarketing. Tem poucas ambições e possui baixa renda. Não possui carro, anda de ônibus, gosta de ler, escutar música e mora bem longe do trabalho. Geralmente compra suas roupas e objetos em brechós ou recebe doações. Não é muito vaidosa ou organizada. É feliz dentro da sua realidade.
Participante Lucas: Essa mulher é uma executiva bem sucedida, mas por ser muito dedicada ao trabalho é solteira e sente falta de um relacionamento afetivo. É prática, organizada, prestativa e querida. Possui um padrão de vida bom, é vaidosa, mas sem excessos.
Participante Rafael: Este garoto mora perto da universidade. Trabalha como estagiário em algum escritório, mas faz parte de uma banda de cover dos Beatles, sua verdadeira paixão. Não tem carro por opção, mora com colegas de faculdade e é fumante. Curte festas, não é organizado e vive de momentos, sem muito planejamento.
Participante Ryan: Esta garota é meiga, querida e divertida. É estudante de algum curso de comunicação, mas já trabalha como fotógrafa freelancer de festas infantis. Tem um estilo retrô e um jeito meio infantil, o que a ajuda a lidar com as crianças. Tem carro e o utiliza para o trabalho.
Participante Christianne: Esta garota é complexa. É super vaidosa, pinta o cabelo de preto, é feminina e feminista. Defende a ideia de que mulher não é um ser frágil. Não tem um bom relacionamento com os pais e irmãos, vem de família de classe alta, fuma e é meio revoltada. Gosta de ler, é inteligente e tem uma personalidade bem forte. Curte rock melódico e segue o estilo 'gótico'. Não possui um relacionamento estável.
Após fazermos o exercício, também 'brincamos' de abrir nossas bolsas para o grupo tentar nos descrever a partir dos objetos e pelo pouco contato que tiveram no minicurso. A experiência é estranha e engraçada, pois ao abrirmos as bolsas, estamos nos expondo como pessoas e isso mexeu com todo o grupo, despertando a curiosidade do que nossos objetos dizem de nós mesmos e do que não dizem.
Todos procuraram o minicurso com algum interesse relacionado a sua área profissional ou hobby como teatro, design de animação, criação de jogos eletrônicos e RPG. A maioria disse que o diferencial foi pensar como os objetos tem uma importante relação com a personalidade e que a partir deles é possível tornar o personagem criado mais completo e 'humano'.
Discutimos da importância do personagem 'ganhar vida' e de acreditarmos na existência dele. Usamos como exemplo os atores que falam de seus personagens como se estivessem falando de outra pessoa e como se ela realmente existisse fora das 'telas' e 'palcos'.
Então ao criar um personagem, porque não iniciar sua descrição a partir dos objetos que ele carrega na bolsa ou mochila?! O que Jack Sparrow carregaria na sua bagagem? Ou Carlitos? Ou Harry Potter? Ou Dr. House? Ou Amelie Poulan? Ou Lolita? Ou ainda Forrest Gump? E muitos outros...
Outro exercício interessante seria fazer um caderno de personagens reais. As telas e palcos estão cheios de personagens clichês e muitas vezes quando mostram alguém mais 'humano', às vezes nem acreditamos que esse 'alguém' exista. As histórias são sempre 'redondinhas' e simplificadas, mas sabemos que a vida é bem mais complexa que isso!
Basta observar as pessoas ao seu redor e que fazem parte da sua vida. Uma amiga formada em Letras, servidora pública, tradutora e dançarina do ventre em horas vagas, divorcidada, mãe de dois filhos pequenos, linda e desiludida com o amor. Ou um tio engenheiro, viúvo, apaixonado por vinhos e por aeromodelismo. Ou uma prima veterinária, que namorou quase 10 anos, para acabar casando com outra pessoa. Ou uma amiga 'porralouca' que virou evangélica, ou outra que se formou em design, mas trabalha num spa com terapias naturais, ou ainda outra que é concursada e ganha bem, mas pensa em largar tudo e fazer direito. E ainda aquele casal que você conhece que tinha tudo pra não ficar junto, mas ficou e que tinha tudo pra ficar e não ficou. As boas e loucas surpresas da vida!
São tantas histórias, tão diferentes e únicas, mas que nem sempre ocupam as telas e palcos. O que vemos muitas vezes são os mesmos personagens nas mais tradicionais profissões e relações.
Talvez criar personagens deva partir mais do exterior do que do interior. Os 'ingredientes' estão diante dos nossos olhos, ao nosso redor, basta combiná-los para criar as mais loucas, trágicas e/ou belas histórias!!
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