sexta-feira, 11 de abril de 2014

Translitorânea - o despertar do olhar sensível!

Olá, pessoal! Estamos em 2014 e a Oficina de Cinema da Escola da Ilha deste ano está ainda melhor!
 
Para iniciar a socialização dos nossos trabalhos, farei um relato de experiência com os alunos do 2º EM, que este ano, entram em contato com o universo cinematográfico, através da fotografia.
 
A ideia é sensibilizar seus olhares para o mundo das imagens, além de ampliar seu repertório, para que múltiplas e ricas leituras possam ser feitas diante de tudo que tem contato.
 
Iniciamos o ano fazendo fotografias livres e debatendo sobre suas fotos e o que elas transmitem para cada um.
 
      Autora: Nicolle                                              Autor: Luan 

Para que esta discussão ficasse ainda mais rica, visitamos a exposição Translitorânea de Andrea Eichenberger, no Museu da Escola Catarinense, numa deliciosa tarde de quinta-feira, atividade extraclasse, que os alunos voluntariamente toparam fazer, tornando a experiência ainda mais interessante.
 
A exposição “Translitorânea”, de Andrea Eichenberger, que conquistou o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais 2013 e reúne imagens fotográficas captadas ao longo da BR-101, uma das maiores rodovias do Brasil que corta o país de norte a sul. Com uma extensão de 4.542 quilômetros, ela segue o litoral em seu sentido longitudinal, com ponto inicial em Touros (RN) e término em São José do Norte (RS). Na mostra “Translitorânea”, o público poderá observar a margem da rodovia de maneira particular, para além de um lugar de passagem.
 
A exposição
 
Das centenas de fotos coletadas na viagem, o curador Michel Poivert, crítico e historiador da arte, professor na Universidade de Paris 1 Panthéon Sorbonne, escolheu 30. Com o foco na vida, as imagens apontam para singularidades visuais, à diversidade sociocultural, interligam diferenças, semelhanças e contrastes. O trabalho estabelece um ponto de encontro entre a arte e a antropologia e inscreve-se nas discussões atuais sobre fotografia documental.


Em aula, expliquei o nome da exposição, a proposta da autora e o que eles iriam encontrar, mas deixando algumas surpresas para o momento (como a máquina de escrever) e a ausência de título ou 'explicação' para as fotos.
 
Primeiro deixei eles explorarem o espaço, e depois pedi que cada um escolhesse a foto que mais chamou sua atenção e todos nós nos reunimos para discutir a foto escolhida.
 



Cada aluno dizia porque havia escolhido aquela foto e as justificativas eram variadas. Em seguida, eu perguntava se mais alguém havia feito a mesma leitura ou alguma leitura diferente do colega. Em cada foto, as intervenções e colocações eram diferentes.
 
Seguem algumas:



O Luan escolheu essa foto porque o rosto tampado o incomodava e intrigava. Será que ele não quis aparecer ou foi a fotógrafa que pediu para ele tampar o rosto? E a Jéssica também escolheu esta foto porque lembrava do filme Homem de ferro 2 e achou a foto posada. Discutimos então sobre a ideia dos 'arranjos inconscientes' de Walker Evans, comentado por Andrea em entrevista ao Missão Casa, de coisas que estão dadas e parecem prontas para serem fotografadas.
 

O Gianluca escolheu esta foto porque achava a senhora simpática. Jéssica comentou que a senhora a fez lembrar da avó, que tem uma cadeira muito parecida e que às vezes tinha que ficar horas ouvindo a avó falar.  Discutimos sobre o tempo de vida dos idosos e como esse tempo os tornam contadores de histórias.
 
 
Renan escolheu essa foto porque lembrava uma foto que seus avós tinham na parede. Falamos sobre o vínculo afetivo que influencia nossa relação com as fotos. Falamos também sobre a direção de arte no cinema, como os objetos e cenários contribuem para revelar traços da personalidade dos personagens, mesmo que conscientemente o espectador não perceba.
 

O sensível Antônio escolheu essa foto porque ficou imaginando para onde estaria indo essa mulher. Conversamos sobre a presença da bagagem. Se fosse viajar sozinha, muita bagagem, se fosse tudo que tinha na vida, pouca bagagem.
 

A Clara escolheu esta foto porque as fotos das crianças a intrigavam. Todos acreditavam que eles eram pais das crianças e elas haviam morrido ou desaparecido. Quando contei que eles eram fotógrafos (e foi a única foto que revelei o que sabia sobre), todos ficaram muito surpresos, e provoquei-os para pensarem o que mais eles haviam concluído das fotos, que poderia facilmente ser descontruído com outra hipótese.
 

Frederico escolheu esta foto, a maior da exposição, porque achou a foto equilibrada, leve e 'um sofá no meio do nada' é intrigante. Alguns acharam o sofá bem conservado para ter sido encontrado no meio do nada, outros disseram que por não verem o sofá inteiro, não teria como saber o seu real estado. A maioria acredita que o sofá tenha sido mexido para a fotógrafa conseguir a foto, contrariando novamente a ideia dos 'arranjos inconscientes'.
 
Houveram outras fotos, mas não foram encontradas no blog da autora, para aqui colocar:
 
Foto dos pedreiros de laranja - o ar seguro do homem ao centro da foto intrigava Nicolle. Jéssica lembrou da famosa foto dos trabalhadores no topo do Empire State nos EUA. Perguntei porque ela achava que eles eram trabalhadores da construção e ela apontou para a logo de uma construtora no uniforme laranja e deduziu que eles estavam sentados em sacos de cimento. Achei curiosa sua observação, já que eu mesma não havia reparado neste detalhe e achava que eles eram garis pela cor de seu uniforme. Conversamos sobre como os detalhes das fotos podem oferecer informações sobre as pessoas e lugares retratados.
 
Foto da quadra vazia - A Ingrid achou a foto bem composta, equilibrada e simétrica. O céu da foto chamava sua atenção. Um aluno achou a quadra deteriorada e abandonada. Outros ficaram surpresos porque não prestaram atenção nisso.

Outras fotos comentadas:
 

Antônio destacou a religiosidade muito presente nesta foto  e em outras (tatuagem de jesus, cruz, imagem de jesus emoldurada pelo pneu) e alguns defenderam que a fotógrafa compôs os elementos para esse fim, contrariando a ideia de 'arranjos inconscientes' novamente.
 
Também falamos sobre a relação das fotos. Pessoas diferentes em lugares diferentes e como a profissão na maioria das fotos está em destaque. Pessoas marginalizadas, que fazem parte do nosso dia-dia, mas que muitas vezes não percebemos sua presença.
 
No final da visita, com duração de 1 hora, pedi para os alunos comentarem sobre a experiência de ter ido à exposição.

Todos disseram que gostaram bastante e alguns alunos disseram que se não fosse pela escola, não teriam ido na exposição, e outros dois alunos disseram que teriam ido porque costumam ir com os pais em museus e exposições. Falamos sobre a sensibilidade do olhar, através do repertório construído, e como a influência dos pais contribuiu para isso. Para alguns, foi a primeira vez que eles foram numa exposição de fotografia ou museu.

Alguns alunos também disseram que se tivessem ido sozinhos, talvez teriam passado rapidamente pelas fotos e achado tudo uma baboseira (palavras deles), mas ao conhecer o contexto da exposição, e debaterem com os colegas, a exposição se tornou interessante. E que a oficina de cinema está ajudando nesse aspecto. (ponto pra profe!) 
 
Nós conversamos bastante em aula, sobre a sensibilidade do olhar e ampliação do repertório para que ele se torne mais rico e permita múltiplas leituras do mundo e da própria arte. Uma aluna então, que é bailarina, falou de uma dança contemporânea que seu grupo apresentou no ano passado e o público não compreendeu a proposta. É preciso preparar o público e educar seu olhar para que fique mais sensível diante do mundo que se apresenta para si.
 
E por fim, alguns acreditavam que as fotos deveriam ter explicações ou títulos, e outros disseram que é por não ter, que a imaginação sobre as fotos é mais livre. Falamos então sobre a ideia de encontro com as fotos, proposta pela autora, a riqueza dos diferentes olhares quando não se sabe tudo sobre a obra ou foto, e a importância de manter a 'mente aberta' para a possibilidade de fazer ( e receber) as inúmeras leituras possíveis.
 
Enfim, estes foram alguns pontos levantados e que podem ajudar outros professores (e interessados) a pensar em diferentes maneiras de sensibilizar os olhares de seus alunos sobre a arte, sobre a fotografia e sobre o cinema!
 
Bora?! =)

Confira a entrevista da autora: